Crônica da Hapitação populucro

É fato que as tecnologias construtivas têm melhorado a oferta e qualidade das construções. Mas diante dos sistemas industrializados é preciso verificar as necessidades da população em função do local de implantação da moradia. Assim como para cada região temos um orçamento diferente, o conforto ambiental e características da construção devem ser avaliados de local para local em função de suas condições ambientais e sócio-econômicas.

A implantação de um novo sistema, inicialmente gera um custo mais alto que de um sistema tradicional. Mas, dependendo da escala de implantação devem ser avaliados diversos índices. A construção com estrutura metálica, por exemplo, tem sido largamente difundida nos Estados Unidos, e quando pensamos em executar um projeto com ela nos deparamos com o custo inicial maior, não somente devido ao material, mas a mão de obra que deve ser especializada e rigor na execução, para que se evite o retrabalho e aumento de custo. Superados estes entraves, pensando na construção metálica como mais leve, com peças pré-moldadas, tempo de execução e encaixes pré- estabelecidos, construção limpa, produção em escala e mão de obra treinada, com menor tempo de execução, não seria interessante a utilização desta tecnologia?

O equilíbrio entre técnica e identidade deve ser almejado pelas empresas além dos índices de eficiência para lucratividade. Porque objetivamente habitação popular é um trabalho social. Neste campo, até os dias de hoje diversas Escolas de Arquitetura e Urbanismo se dividem na sua classificação: umas como pertencentes ao grupo de ciências sociais aplicadas e outras ao grupo de exatas com a engenharia.

Algumas críticas são destinadas às grandes empreiteiras que padronizam tanto seus projetos que as propostas em outras localidades não passam de peças de quebra cabeças encaixadas no terreno. Neste sentido a arquitetura perde em prol de uma racionalização que pretendendo economizar no projeto e execução, eleva os custos na manutenção e utilização do projeto, por exemplo, aumentando o consumo de energia elétrica, induzindo o uso de ar condicionado, utilizando ventilação forçada, não aproveitando a luz natural, não observando ainda questões como conforto acústico etc. Técnicos têm recebido reclamações de moradores que possuem as paredes do quarto correspondendo às paredes da cozinha de outro apartamento. Erros que um arquiteto não deve cometer, mesmo em função da modulação. A própria engenharia, pode e deve ter peças de flexibilização para componentes com capacidade de articulação. Na Europa, por exemplo, se utilizam de flexibilização dos sistemas, mas trabalhando com modulação.

O Planejamento urbanístico é essencial, visto que a casa não é uma célula isolada. Neste sentido, prefeituras e urbanistas precisam trabalhar seriamente em prol do habitacional a fim de amenizar e tentar solucionar o déficit habitacional, e impedir que o gargalo dos terrenos canalize o dinheiro para o setor especulativo, recurso que deveria ser do setor produtivo.

Os gastos com folha de pagamento são em geral as maiores despesas das empresas. O “boom” imobiliário alavancou o aumento das ofertas de trabalho no setor da construção civil, o que tem sido bom para a economia e emprego. Contudo, tendo em vista que nosso déficit habitacional é elevadíssimo, e tem sido negligenciado politicamente, acarretando diversos problemas; algumas medidas devem ser adotadas.

O processo de favelização, apesar das negativas em infra-estrutura e ordenamento do território é um indicativo do potencial e força de trabalho que têm os mutirões e voluntariados comunitários. Especialistas que experimentam esta forma de trabalho têm alcançado alentadores resultados na ampliação do quadro de moradias populares.

Encontramos interessantes exemplos no México. Outra referência interessante é o gerenciamento destas obras por mulheres da comunidade, tendo em vista seu maior zelo pelo imóvel. Alguns maridos chegam a vender suas casas, sem dar satisfação às famílias, muitas vezes por causa do alcoolismo. Neste âmbito, diversas questões sociais precisam ser observadas.

Inicialmente dizia-se que o problema da favelização deu-se por causa das migrações. Mas as estatísticas ao longo dos anos mostram que o crescimento das favelas dá-se em função da comunidade já instalada e de novos moradores do próprio perímetro. A natalidade diminuiu, entretanto a evasão para as favelas aumentou. E apesar das políticas de urbanização de favelas, como técnicos, devemos reconhecer que não é o lugar ideal.

A questão da habitação precisa ser encarada de fato! Em todas as classes sociais, principalmente as mais baixas. Segundo a tabela do Sinduscon, para novembro de 2010, no Rio de Janeiro, uma construção de interesse social (Projeto de interesse social – PIS), custa 634,13 R$ o metro quadrado, e 948,49R$ a residência popular(RP1Q). Para a região do Nordeste, no Ceará, o valor corresponde a 464,65R$ (PIS), e residência popular 724,27R$ o metro quadrado. Isso significa que uma construção de 50m² no padrão de interesse social custa 31.706,50 R$ no RJ e 23.232,50 no CE. Para a residência popular os valores são de 47.424,50R$ no RJ e 36.313,50R$ no CE.

O Governo federal está separando 111 bilhões de reais para a construção de 2 milhões de habitações. Os projetos têm sido assinados dês de 2008 com o aval da Caixa Econômica Federal. O PBQP-H possui como um dos objetivos a ampliação do acesso à moradia de qualidade para a população de menor renda. De fato, examinando as divulgações imobiliárias de empresas da construção civil com projetos dentro do programa, encontramos mais exemplos destinados à classe C, do que a população de menor renda.

Com a extinção do Banco Nacional de Habitação, por decreto no governo Sarney (um decreto está abaixo de uma lei e mesmo assim pôs fim ao banco que melhores condições deu à habitação popular por interesse de uma minoria), a Caixa Econômica Federal o substitui. Contudo, especialistas em urbanismo certificam que as taxas de juros e parcelamentos a perder de vista da Caixa são superiores às oferecidas pelo BNH. Temos a impressão, a exceção de uma ascensão econômica, que uma família de baixa renda pagará seu imóvel por toda a vida, deixando seu legado ao descendente. Sobre o programa Minha Casa, Minha Vida, que possui méritos em ser reconhecido como uma das políticas públicas que mais se mostrou interessada na questão da habitação; segundo a mídia impressa, 60% do valor do programa se destina a rendas familiares consideradas baixas, de até 3 salários mínimos (cerca de 1.620,00 R$).

Fazendo os cálculos, sem considerar infra-estrutura como sistema viário, de transporte, saneamentos, praças etc., cada casa pelo orçamento apresentado pela tabela do Sinduscon, custaria em média 55,5 mil reais. Pelo orçamento o valor é suficiente, ainda incluindo algumas obras de infra-estrutura (e execravelmente, incluindo propinas e desvios de verbas!). Ainda assim daria! O orçamento fecharia azul!).Mas nos deparamos com outros entraves, dos que considero principais: a gestão dos interesses públicos (em detrimento dos interesses individuais e desqualificação) e a má gestão tanto tecnológica, quando de tempo e material.

Se pensarmos num quiosque, de alvenaria simples, o custo tem sido calculado em torno de 20 mil reais. Novos projetos de embelezamento da orla e padronização estimam um quiosque de 16m2 em 67 mil reais (exemplo de Lauro de Freitas, na Bahia). O custo de uma habitação econômica pode de certa forma se equiparar a estas construções.

A industrialização da construção civil revela-se condição indispensável, sustentável, previsível em termos orçamentários, de prazos e qualitativo. Sem falar que bons projetos residenciais, que permitem melhor qualidade de vida, inclusive com reaproveitamento de resíduos, usam de energia solar e água pluvial, tem redução de custos e agilidade de montagem se produzidos em escala.

Segundo o texto de Roberto de Souza (HABITAÇÃO ECONÔMICA,TECNOLOGIA E INDUSTRIALIZAÇÃO) a Habitação econômica e super econômica custa entre 60 e 100 mil reais. A revista Carta Capital de 15 de dezembro de 2010, em matéria especial sobre habitação popular informou o investimentos de grandes construtoras no segmento, associado ao consumidor C, cujas cifras estão variando de 80 a 200 mil reais, e a popularização do projeto se deu graças aos incentivos de programas como Minha Casa, Minha Vida.

Em dinâmica de grupo, em candidatura profissional ao Senai Bahia(Sistema Fieb), um dos exercícios foi planejamento de casas populares em regiões de declividades. As soluções técnicas apresentadas pelas equipes foram parecidas, com estruturas leves, apoio em pilotis de madeiras certificadas e disponíveis na região. Numa rápida tomada de preços para a edificação com 50m², uma das candidatas enunciou o valor de 50 mil reais. A reação dos avaliadores foi de surpresa, considerando o custo alto.

Neste sentido nos cabe a reflexão de que a partida para discussão do assunto habitação popular é a definição do que esta sendo considerado habitação popular. A meu ver uma das estratégias de ampliação de lucro das iniciativas particulares (com incentivo governamental dos programas habitacionais devido à melhor eficiência destas empresas) tem sido a mudança de nome de habitação popular para habitação econômica e supereconômica.

Entretanto, para viabilizar uma habitação econômica, o custo tem que ser relativamente baixo. Lembro-me de que em se tratando de intensa especulação imobiliária, o mais relevante no custo final ainda é a LOCALIZAÇÃO. Questão esta intimamente ligada à infra-estrutura. E uma demanda alta por habitações “econômicas”, com poucas e caras ofertas de terras nas regiões centrais, leva a implantação destas residências em locais isolados de pouca infra-estrutura.

No filme Cidade de Deus, falando em habitação popular, o conjunto habitacional foi implantado isolado do sistema da cidade do Rio de Janeiro. O que acarretou a “criação” de um “novo sistema”, onde as políticas públicas pouco atuavam, e ficava a critério dos moradores o usufruto do espaço. Desta forma, entre outros casos, criam-se verdadeiros submundos, seja no aspecto de saneamento, educação, da moral pública e individual, tráfico etc. A urbanista Ermínia Marticato, também se utiliza deste exemplo veiculado no cinema, para mencionar a importância de conectividade no tecido urbano.

O sistema de transporte é caro e ineficiente também para a classe C da população, acolhida para o financiamento da Caixa. A barbárie do descontentamento é tão grande, que a mídia noticia eventualmente matérias de ônibus e trens queimados. Ações agressivas que não resolvem o problema, até interferem na rotina da mobilidade, mas de certa forma externam a revolta dos usuários.

Em se tratando do mercado imobiliário os investimentos na classe C (em Administração e Marketing a classe c pode ser dividida em pelo menos 3 classes), como já sabemos, cujo crescimento se deve às melhorias de acesso ao crédito etc., são alvo de empresas em diversos outros segmentos além da construção civil. O mercado imobiliário aproxima e afasta perfis de compradores, por exemplo. Na moda, as lojas de departamentos têm se multiplicado, no setor de móveis e eletrodomésticos também, o carro têm se tornado cada vez mais acessível a esta classe.

Todavia, devido à intensificação deste crescente mercado consumidor, uma questão melindrosa é a indústria do descartável (porque cada vez mais as coisas duram menos, o design fica démodé) e ainda não construímos o arcabouço de infra-estrutura para que o planeta suporte este volume de “descartes”- a exemplo dos Estados Unidos.

Muito se fala da crise americana em função do crédito imobiliário e das preocupações de que caminhemos na mesma direção. Acredito que muitos investidores conheceram a realidade do Best Seller “Pai rico, pai pobre” e tenham investido alto em imóveis, para alcançar o que livro chama de “fast track”- a pista de alta velocidade onde a possibilidade de lucros e acúmulo de capital os torna cada vez mais ricos. No jogo sobre economia financeira, criado pelo mesmo autor do livro, os monopólios podem ser alcançados pelos grandes investidores. Mas este grupo não pode ser muito numeroso para que lucre sobre a “massa” que vive sofregamente na “corrida dos ratos”, fazendo “malabarismos” para pagar o aluguel e fechar as contas.

Atualmente os EUA ainda se recuperam da chamada “crise das hipotecas”. Lembro-me de outro jogo, “O Banco Imobiliário”, também chamado de “Monopólio”, que evidencia o grande impacto causado pela especulação imobiliária e investimentos no setor, transformando os ricos em cada vez mais ricos, e os pobres em cada vez mais pobres, entre falidos... O resultado destas ações pode ser conferido no mundo real: a alarmante desigualdade social que temos.

Estive em Portugal este ano. Não pretendo aqui comparar a população de lá com a nossa que é muito maior, mas utilizar o exemplo. Em Lisboa, diante do aumento da criminalidade, em parte oriunda do descontentamento de minorias marginalizadas, alguns deles ciganos, estrangeiros e portugueses, o governo ofereceu moradias para esta parcela da comunidade. Porque tiveram experiência de construir conjuntos habitacionais isolados e o impacto foi negativo, o país decidiu construir os conjuntos habitacionais nas mesmas localidades dos portugueses mais abastados, em áreas estratégicas. A criminalidade reduziu muito e aumentou o senso de pertencer de toda a população.

Outra estratégica pública interessante foi na América do Sul. Com a construção de ciclovias na cidade melhorou a qualidade de vida e mobilidade da população, com menor custo, principalmente a de rendas mais baixas e também reduziu a criminalidade.

Habitação não é um conceito isolado. Áreas verdes, despoluição. Qualidade de vida. Os ricos pagam pelas melhores áreas. E falando sobre custo, enquanto me disserem que casa/apartamento popular pode ser vendido a 200 mil reais eu desconheço o conceito de popular. Ah, então por isso estão chamando de habitação econômica.

A questão que levanto são as novas possibilidades de LUCRO da iniciativa privada. Já que, como temos visto, os governos não têm se mostrado hábeis em gestão de recursos e principalmente gestão e gerenciamento de obras. Desta forma cabe às empresas privadas aproveitar a oportunidade de novos mercados e se distanciar cada vez mais na “fast track”.

Como não podia deixar de dizer, este fenômeno Globalização é apocalíptico mesmo. Em pouco tempo o mundo ficará nas mãos de meia dúzia de empresários. As aparentes fusões, compras de empresas (e o que dizer do setor em questão!) estão em livre crescimento. E a idéia nacionalista (uma ideologia, acredite) nem rótulo nacional tem. Os estrangeiros estão super-lucrando com nosso patrimônio! Se aliando, aumentando suas parcelas de ações e comprando empresas de construção civil no território brasileiro para usufruto do nosso mercado. O discurso que se faz é que este esforço volta-se para a população. A locução é bela, mas num mundo de liberalismo econômico o interesse é lucro, individual... Como bem disse a urbanista Ermínia Maricato, estamos sofrendo no urbanismo as conseqüências de um liberalismo desenfreado que atingiu a gestão pública. E pelo que percebo as políticas públicas, mesmo com uma intenção social, não têm atenuado estes impactos, o estão alimentando.

Os hipermercados são quase os mesmos. Vi isto na Europa. Estou vendo no Brasil. E não só no Sudeste. Estes fenômenos “globais” acontecem no Nordeste, em toda parte. Considero oportuno destacar a ênfase mercadológica no lucro que atenua aspectos culturais, do senso de pertencer e de preservação do meio, produzindo fachadas e imóveis idênticos sem que a necessidade de cada família carente seja levada em consideração.

Algumas tentativas de estandartização se mostraram negativas. Após a entrega das casas, os próprios moradores “desrespeitaram” os projetos construindo “puxadinhos” e lajes. Muito se fala que também falta educação. Mas se começar de cima o congresso dá belos exemplos: já aumentaram o próprio salário.

É fato o déficit. E precisa ser resolvido. Já que estamos “sob o véu da ideologia” como diria Marx, e hoje a idéia da casa própria se tornou um sonho a ser perseguido (num passado próximo, inclusive aqui no Brasil, pessoas viviam muito bem pagando aluguel).

Os tempos são outros...

O que me preocupa é que a “capacidade de endividamento” traga conseqüências pesadas ao “endividado”. Refiro-me aos aposentados, por exemplo, que abrem todas a linhas de crédito, abrem mão do que tem, e lhes falta principalmente acesso à saúde.

Falando sobre a industrialização para construção, a estratégia é excelente, principalmente para a classe C, B. Dependendo do critério para essas classificações, porque a classe A quer se diferenciar de alguma forma – (pelo menos assim os "mecenas" continuam patrocinando a arte artesanal) por isso pagam mais por produtos diferenciados.

A matéria prima utilizada e a tecnologia podem ser as mesmas das classes menos abastadas, mas o fenômeno MARCA, acabamentos, variedade de opções, distinguem a alta renda.

O aspecto favelizado de tantas construções é ruim, e não se trata de poluição visual, diminui o tempo de vida útil do imóvel. Vê se TV é assim, sem casca?

A indústria traz muitas vantagens e melhorias. A produção em série, os prazos, os prazos importantíssimos, os custos pré-definidos, sem surpresas, a execução e o produto final. Temos tanta tecnologia desenvolvida no mercado. Basta uma rápida busca no youtube, e até mão-de-obra especializada é possível treinar pela Internet. A Internet ainda é um canal entre empresas, governo e consumidor. Porque hoje em dia muita gente ainda não tem casa, mas tem carro, computador.

Alana Ramalho, dezembro de 2010.

Comentários

  1. Este post é uma porção de um texto mais amplo sobre as possibilidades da industrialização da construção na melhoria da moradia dos menos favorecidos, desenvolvido durante o meu Mestrado em Engenharia Urbana.

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  2. Sobre construção metálica eu também acrescento "mair necessidade de manutenção quando exposta" principalmente em lugares com maresia...

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